No escuro e sem corrimão!
Eu já sabia que algumas universidades japonesas haviam suprimido o ensino de Ciências Humanas. Não conheço as razões, mas imagino que o culto da eficiência, da inserção competitiva e da “inovação” tecnológica finalmente destruíram as bases que ainda nos ligavam a um pouco de compreensão sobre a (frágil) “condição humana”.
Agora, numa entrevista de Sílvio Meira ao JC, fico sabendo que a Austrália suprimiu o ensino de História e Geografia do Fundamental 2, projeto que não tardará a chegar por aqui, se levarmos em conta a mentalidade pedagógica dos assessores do nosso Ministro da Educação e que controlam influentes grupos empresariais. Sílvio Meira acha, por exemplo, que um professor de Matemática pode tratar de História ao falar dos ângulos das pirâmides do Egito!
Não me incomoda ser chamado de conservador ou tradicional, desde que me digam em nome de qual “progresso” ou “inovação” eu estou sendo acusado, mas se supusermos que a História trata de nossa relação com o tempo e a Geografia com o espaço, e que nós nos definimos como “seres situados” (num tempo-espaço ), qual a razão de suprimi-los?
A História não é um amontoado de “fatos” que os alunos são obrigados a decorar para passar no vestibular: ela é a narrativa que construímos para dar sentido ao fato de que “vivemos juntos”, que temos um “passado comum” e que nos assegura uma sensação de pertencer a uma comunidade (nacional ou outra). Ela não é nem progressiva nem linear, nem há nenhuma garantia de finais felizes. Sem uma narrativa sobre nós mesmos nunca seremos capazes de nos reconciliar nem dar sentido ao Mundo (que não é “uma sucessão infindável de boletos” como pretende Sílvio Meira em sua visão “bancária” do mundo), e sim a compreensão do como os homens agem com outros homens. A Geografia também não é a enfadonha decoreba de acidentes que constituem uma “paisagem”, mas a compreensão daquilo que os homens fazem com as “coisas”, o quadro chamado de Natural e que oferece o pano de fundo das relações sociais e históricas, que não são exercidas no vácuo!
O fim da História não é uma estratégia de esquecimento, mas um meio para que as novas gerações não disponham mais da experiência anteriores para se conduzir, que caminharão no escuro e sem corrimão; e o fim da Geografia significa que não precisamos compreender a realidade “natural”, nem o que fazemos com ela: uma porta aberta para substituí-la por mundos “virtuais” segundo o gosto de nossos…informatas. Uma modificação radical em nossa relação com a realidade, o sonho de nossos tecnocratas.
Texto escrigo por Flávio Brayner (professor Titular da UFPE)