Senado vota hoje projeto que põe em risco liberdade de expressão na internet
PL das fake news abre margem para perseguição política, diz especialista
O Senado Federal deve votar nesta quinta-feira 25 um projeto de lei que põe em risco a privacidade e a liberdade de expressão no Brasil. É o que apontam as principais organizações de defesa de direitos na internet no Brasil e no mundo sobre o PL das fake news.
O relatório apresentado pelo senador Ângelo Coronel (PSD-BA) diz que as redes sociais devem exigir um número de celular na criação de novos perfis e força aplicativos de bate-papo como o WhatsApp a guardar os registros de todo mundo que fez reenvios de mensagens em massa.
O texto, dizem especialistas, abandonou o combate direto às fake news e focou na criação de mecanismos para identificar usuários de redes sociais que cometam delitos.
“Agora, vão ter de guardar todos os lugares por onde passou uma mensagem de WhatsApp. Isso vai gerar uma coleta maciça de dados dos cidadãos, o que pode ser usado para perseguição política, criminalização de movimentos sociais e violação de sigilo de fontes jornalísticas”, alertou Mariana Valente, diretora do Internet Lab, Centro de pesquisa em direito e tecnologia, e professora do Insper em entrevista à Folha de S.Paulo.
Dadas as controvérsias do relatório, senadores pediram o adiamento da votação e argumentaram que o tema precisa de mais tempo discussão.
“Um projeto tão polêmico como esse, que interfere na vida de mais de 170 milhões de brasileiros, não pode deixar de ser amplamente discutido na Comissão de Constituição e Justiça [CCJ]”, defendeu o senador Álvaro Dias (Podemos-PR).
A posição do senador é compartilhada por David Kaye, relator para Liberdade de Expressão da Organização das Nações Unidas (ONU), e Edison Lanza, relator da Organização dos Estados Americanos (OEA) para Liberdade de Expressão.
“O Congresso brasileiro está promovendo um projeto de lei sobre desinformação que parece ser extremamente problemático em relação a temas como a censura, privacidade, estado de direito e devido processo legal, entre outros. Estou fazendo uma análise mais formal, mas devido à urgência da questão, espero que os principais legisladores brasileiros – como Davi Alcolumbre, Angelo Coronel e Rodrigo Maia façam todo o possível para impedir que este projeto avance e realizem uma ampla consulta prévia com a sociedade civil para adotar uma abordagem consistente com as obrigações do Brasil em Direitos Humanos”, escreveu Kaye em uma rede social.
“O Congresso do Brasil segue com a ideia de aprovar sem discussão nem participação de todas as partes uma lei sobre desinformação que afetará os princípios da internet aberta”, continuou Lanza.
O entusiasmo do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que chegou a chamar de “um dia histórico”, é rebatido por alguns dos principais especialistas em liberdade de expressão no Brasil.
“O projeto de lei que visa combater a desinformação promete voltar à mesa do Senado nos próximos dias. Por que tanta correria? O projeto, que pretende estabelecer um marco legal para que empresas privadas exerçam o controle do discurso digital dos cidadãos, não deveria ser aprovado a toque de caixa”, opinaram a advogada Taís Gasparian, o jornalista Eugenio Bucci e a presidente do Instituto Palavra Aberta, Patricia Blanco, em artigo na Folha.
“O PL toma o cuidado de citar a liberdade de expressão como um de seus objetivos, mas, no decorrer do texto, milita contra essa mesma liberdade. O truque retórico tem antecedentes traumáticos. Deixar o controle do discurso na mão de empresas privadas pode degradar numa terceirização privatizada da censura. Nessa matéria, a afobação vai matar as boas intenções”, ressaltaram.
O texto do projeto obriga serviços de mensagem guardarem, por até três meses, o nome do usuário que mandou uma mesma mensagem a cinco usuários ou mais em até 15 dias. Eles deverão registrar também a data e hora em que isso aconteceu, assim como as pessoas que foram atingidas. O texto também proíbe as chamadas “máquinas de spam”, ferramentas que fazem disparo massivo de mensagem.
“Com o objetivo de combater ilícitos, o PL das Fake News inverte o dispositivo constitucional da presunção de inocência, tratando todos os cidadãos usuários de internet como criminosos em potencial”, manifestou a Coalização Direitos na Rede, organização que atua em defesa dos direitos de acesso à internet, liberdade de expressão e privacidade.
“Compreendemos os anseios do Senado Federal e da sociedade brasileira em combater a indústria da desinformação, que tanto dano traz à nossa democracia, mas este objetivo legítimo não pode justificar a criação de gigantescos bancos de dados pessoais dos usuários da Internet, que ficarão sob controle de empresas privadas e, assim, abrirão enorme espaço para a vigilância dos brasileiros e brasileiras, pelos mais diferentes órgãos, resultando em graves violações do direito à privacidade e liberdade de Expressão”, reforça a Coalizão em nota.
Mudança no projeto original
A tramitação para a votação do projeto que prevê a instituição da Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet toma como base projetos apresentados na Câmara, pelos deputados federais Felipe Rigoni (PSB-ES) e Tabata Amaral (PDT-SP), e no Senado, pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Em suas redes sociais, Tábata, no entanto, falou sobre as distorções centrais feitas por Ângelo Coronel em seu relatório. “O nosso PL prevê regras para garantir a notificação, a contestação, o direito de defesa e a reparação quando as plataformas abusam e erram na moderação de conteúdos de seus usuários. Isso foi diminuído sensivelmente e ficou vago no relatório apresentado”, apontou.
Ela citou que o texto do relator permitia um contexto de insegurança jurídica ao passo que facilitava a suspensão e bloqueios de serviços de internet. “Episódios de derrubada arbitrária do Whatsapp e do Youtube, sem critérios claros, mostraram como isso pode prejudicar a sociedade. No nosso PL, haviam regras rígidas para esses casos extremos.”
Políticos de diferentes partidos se opõem ao projeto. Parlamentares de esquerda e direita se posicionaram contra a votação do PL das fake news nesta quinta.
Pressão nas redes sociais
A última quarta-feira 24 foi de pedidos de adiamento da votação do PL. Jornalistas e entidades especializadas em comunicação e internet se posicionaram.
Escrito por: Carta Capital