47% das mulheres já sofreram assédio sexual no trabalho, aponta pesquisa
Maioria dos assédios é contra trabalhadoras negras e com renda de até dois salários. Para secretária da Mulher Trabalhadora, empresas precisam falar mais sobre isso e os sindicatos devem intensificar atuação
Reinventar o ambiente profissional inclui combater o assédio sexual!. A afirmação acima é a frase inicial do resultado do estudo “O ciclo do assédio sexual no ambiente de trabalho”, feito em parceria pelo Think Eva e LinkedIn, divulgado nesta terça-feira (7). Isso porque entre as 381 mulheres ouvidas, 47% afirmaram já ter sofrido assédio sexual no local de trabalho.
Mas, em pleno ano de 2020, o crime que pode ser punido com 1 a 2 anos de detenção, ainda é tabu dentro das empresas e os assediadores se valem da impunidade. Este é principal motivo alegado por 78,4% das mulheres pesquisadas como barreira para a denúncia. Outras 63,8% alegaram políticas ineficientes para combater o assédio e o medo foi maior para 63,8% delas.
A sensação de impotência faz com que o silêncio e a solidão sejam os resultados mais recorrentes. O constrangimento e a impunidade do agressor levam a mulher a ser a única a sofrer as consequências – uma em cada seis vítimas de assédio sexual no local de trabalho pede demissão.
“Num país onde o desemprego bate recorde todo mês como as mulheres vão denunciar um crime de um chefe dentro de um ambiente que não tem um protocolo que proteja esta mulher, tanto em relação ao emprego quanto ao próprio assediador?”, questiona a secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista.
Segundo ela, é fundamental que as empresas criem estratégias para que os locais de trabalho sejam lugares livres de violência, que reafirmem esse posicionamento em suas políticas de Recursos Humanos e que realmente protejam as mulheres.
“Falar mais sobre o assunto e demonstrar que o meio ambiente do trabalho se preocupa com a proteção da mulher acabam inibindo o assediador e fortalece a mulher para ir atrás dos seus direitos. É preciso receber as denúncias, ouvir as partes, punir, caso se confirme o crime, e só assim as mulheres poderão viver num local de trabalho livre de assédio”, ressalta Juneia.
Questão de raça e classe
A pesquisa também apontou que o racismo é um dos fatores que agravam a condição das mulheres negras, porque 52% das mulheres que afirmaram sofrer assédio sexual no trabalho são negras. A desigualdade social também se destaca no estudo, 49% das assediadas recebem entre dois e seis salários mínimos e o Norte (63%) e Centro-Oeste (55%) têm uma concentração maior de relatos do que as outras regiões.
“Estabelecer políticas que combatam o assédio precisa caminhar junto com a construção de organizações que vislumbrem um futuro antirracista, antissexista e mais igualitário para todas as mulheres”, diz outro trecho da pesquisa.
“Não tenho dúvidas que a escravidão deixou esta herança para as mulheres negras, que sempre foram vistas como objetos sexuais. Elas são sempre as mais afetadas, tanto no quesito violência, feminicídio, desemprego e também no assédio sexual e nós precisamos mudar esta realidade. E, é para isso que lutamos todos os dias”, ressaltou Juneia.
CUT e sindicatos
Segundo a dirigente, que é assistente social e representante do Sindicato dos Servidores Públicos de São Paulo (Sindsep), a CUT está construindo coletivamente um protocolo de combate a assédio sexual para dentro da entidade e para as filiadas.
Juneia contou que no Sindsep há canais de denúncia para vítimas de assédio, psicólogos e atendimentos específicos para atender este público.
“No ano passado fizemos a campanha ‘o serviço é público, nosso corpo não’, justamente para mostrar para os trabalhadores e governantes que estamos de olho neste crime e iremos proteger as mulheres no âmbito jurídico e psicológico”, explicou.
Confederações, federações e sindicatos da CUT também trabalham com este tema nos locais de trabalho e a cada ano que passa, segundo dirigentes do Coletivo Nacional da Mulher Trabalhadora, esta é uma pauta cada vez mais essencial. A desigualdade entre homens e mulheres já são grandes, com este tipo de problema tende a piorar.
A secretária de Comunicação do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Priscilla Chandretti, disse que na categoria o problema vem de todos os lados. Chefes, colegas de trabalho e fonte, as pessoas que são as entrevistadas, são os sujeitos que cometem este tipo de crime.
Ela conta que 1 em cada 10 jornalistas já sofreu assédio sexual e quanto se trata de fontes, 6 a cada 10 já viveram esta situação nas redações. E desde 2016, segundo a dirigente, a entidade tem feito uma série de iniciativas para combater o problema.
Priscila conta que o sindicato tem um canal de denúncias, mas começou a perceber que não funcionava porque as mulheres têm medo de fazer denúncias e a entidade começou a agir de forma incisiva nas Campanhas Salariais. Depois de 4 anos em discussão, nas mesas de negociação o sindicato reivindica às empresas que as pessoas que denunciam não tenham seus dados divulgados, tenham estabilidade enquanto durar a investigação e que o assediador seja demitido.
“Só conseguimos conquistar no Acordo Coletivo de Trabalho de Jornais e Revistas a questão dos dados, mas o restante ainda está sendo difícil. Nos últimos anos a gente tem tentado proteger mais o que temos para não perder mais direitos, com este governo. E quando se trata de avanço fica mais difícil. As jornalistas precisam se aproximar do sindicato e lutar conosco contra este crime, só assim as empresas poderão ter melhores práticas e proteger melhor as vítimas de assédio sexual”, finaliza Priscila.
Quem fala mais sobre o tema
Outra questão interessante é que quanto maior o rendimento, maior a frequência com que as discussões relativas a esta pauta acontecem. As mulheres que mais falam sobre assédio são as que ocupam o cargo de gerência, as acima de 55 anos e as profissionais que desempenham funções em nível pleno ou sênior.
Sentimentos e saúde emocional
Raiva, nojo, medo, impotência, vergonha, humilhação e culpa são os sentimentos que as mulheres vítimas de assédio sexual sentem e quando se trata de classe econômica mais baixa a sensação de insegurança é maior. Mulheres pretas e pardas são a maioria que afirma sentir vergonha por ser vítima de assédio sexual.
Além disso, as participantes afirmam terem sentimentos como cansaço (31,7%) e falta de confiança em si e nos outros (30,3%). Sintomas de ansiedade e depressão também são comuns e aparecem em quarto lugar no ranking.
Online e Offline
A pesquisa foi a primeira realizada sobre o tema em ambientes profissionais on e offline. O estudo estava previsto para ser feito de forma física, mas com a pandemia precisou ser adaptado.
“O assédio ultrapassou a barreira imposta pelo distanciamento social. Durante conversas e reuniões online, o crime continuou acontecendo”, diz trecho da pesquisa.
Com um índice de confiabilidade de 99%, o questionário online recebeu 414 respostas. Conscientes da diversidade brasileira -e de como alguns contextos podem tornar determinados grupos sociais mais ou menos suscetíveis a violências-, a mostra, que teve o recrutamento via Instituto Netquest, é representativa da população brasileira em relação à raça, região, idade e renda, considerando o público presente na internet.