Pitombeira dos Quatro Cantos: 75 anos de história (Por Jairo Cabral – mestre em história pela UNICAP)
Em fevereiro de 1947, um grupo de jovens e animados foliões, nus da cintura para cima, carregando galhos floridos de pitomba, por entre transeuntes que tomavam as ruas da quase quinquicentenária Cidade de Olinda, festejava a chegada do carnaval. No sítio histórico de arquitetura com fortes traços coloniais, de ruas estreitas, ladeiras, becos, bicas, igrejas e conventos, configuração geográfica e acústica muito propícia à execução do frevo, o espírito carnavalesco imperava. Antigas agremiações como o Clube Lenhadores, de 1907, o Vassourinhas, de 1912, a Troça Cariri, de 1921, o Clube de Alegoria e Crítica O Homem da Meia Noite, de 1932, todos em atividade, ultimavam os preparativos para sacudir as ruas durante o carnaval, à época feito pelo povo e para o povo. Mal sabiam esses jovens foliões descamisados, dentre os quais se destacavam Alex Caldas, Foneca do violão, Hamilton de Oliveira, Juarez Lopes, Roberto Moreira e Polynice Xavier, que a improvisada, despretensiosa e irreverente brincadeira, seria a fonte inspiradora para a formação da esplendorosa Troça Pitombeira dos Quatro Cantos, que hoje em dia ainda faz pulsar mais acelerado os corações olindenses e de todas as plagas e faz tremer o casario secular da cidade, arrastando a multidão extasiada, arrebatada pela polifonia sonora do frevo genuinamente pernambucano. A partir dos anos 1950 os integrantes da Troça passaram a desfilar fantasiados; inicialmente de palhações coloridos, depois com a indumentária de presidiários, com listas horizontais em preto e branco e em seguida de caçadores, com embornal e espingarda. Em 1953, apresentou o seu primeiro estandarte, doado pela benemérita foliã, Nair Sales, cuja estampa retratava na forma geométrica de um losango, fixado ao centro, a Rua Prudente de Morais, no Carmo, ladeada por dois cachos de pitomba, fruta nativa da região de formato arredondado, comestível e de polpa azeda. No final da década de 1950 e até recentemente, a Pitombeira passou a apresentar desfiles temáticos. Em 1960 exibiu o tema Príncipe Húngaro; em 1968 História da Nossa História; em 1976 Aquarela do Nordeste; em 1981 Olinda dos Meus amores, sempre com muito brilhantismo e grande aclamação popular.
Alex Caldas Ferreira da Silva (1928 – 1995), compôs o Hino da Pitombeira, um dos maiores clássicos do carnaval de Pernambuco, que ultrapassou fronteiras, espalhou-se pelo mundo e foi gravado na Espanha com o título de Bola de Nieve. A letra jocosa, alegre e provocativa reflete a essência do povo pitombeirense, que se perpetua no tempo através das gerações que se sucedem. Quando a orquestra executa o hino, o coral popular de milhares de vozes canta assim:
“Nós somos da Pitombeira,
não brincamos muito mal,
se a turma não saísse
não havia carnaval.
A turma da Pitombeira
tem seis dedos em cada mão,
e o P que tem na testa
faz parte da confusão.
Pitombeira só tem dez letras
e uma significação
Pitomba é fruta besta
que se compra com qualquer tostão.
A turma da Pitombeira
na cachaça é a maior
e o doce é sem igual
como ponche é o ideal.
Bate-bate com doce
eu também quero
eu também quero
eu também quero”.
Hoje, sob o comando de Hermes Cristo Neto, (Herminho), e a labuta da diretoria e seus adeptos, a gloriosa Pitombeira dos Quatro Cantos, aos 75 anos, continua a encantar a massa foliã e a receber de braços abertos em sua sede, à Rua 27 de Janeiro, 128, aficcionados, simpatizantes e curiosos para tomar bate-bate com doce, banho de frevo e sentir a história do carnaval de Olinda. Pelo segundo ano consecutivo de pandemia, negligenciada pelo negacionismo federal e a sua turba de seguidores raivosos, de pensamento elitista e minúsculo, as ruas do Brasil estarão desertas e Momo não reinará nos braços dos autênticos amantes e amantíssimas do carnaval sem camarote e sem bloqueios privatizantes do espaço público. O ano de 2023 logo chegará e oxalá traga 13 boas novas, dentre elas o carnaval da redenção, dos 76 anos da Pitombeira preta e amarela, carregado de alegria e esperança para o povo brasileiro. Vida longa à Troça mais querida de Olinda. Evoé Pitombeira dos Quatros Cantos.
*Jairo Cabral é mestre em história pela Unicap
Foto: Aldo Carneiro/Pernambuco Press