A Obsolescência Laboral e Alternativas Humanitárias: uma Análise Contemporânea

Introdução
O avanço tecnológico e as transformações estruturais do mundo do trabalho têm gerado uma reconfiguração profunda nas relações laborais e produtivas. A chamada obsolescência de atividades — isto é, a perda de relevância de determinadas funções em razão da inovação tecnológica, da automação ou da mudança nas demandas de mercado — tem se tornado um fenômeno recorrente. Em muitos casos, essa obsolescência é acompanhada pelo afastamento do empregado, como se a extinção da função implicasse a desnecessidade do ser humano que a exercia. Entretanto, uma análise mais sensível e estratégica mostra que existem alternativas mais humanitárias e sustentáveis, capazes de conciliar eficiência produtiva e responsabilidade social.
Neste contexto, é fundamental refletir sobre as consequências dessa dinâmica, especialmente sob quatro prismas centrais: a perda do posto de trabalho, o etarismo, a saúde mental e a economia de escala.
Perda do Posto de Trabalho e Exclusão Estrutural
A substituição de atividades humanas por tecnologias é frequentemente apresentada como um avanço inevitável e positivo. De fato, a automação e a digitalização podem trazer ganhos significativos de produtividade, qualidade e segurança operacional. No entanto, o impacto humano da eliminação de postos de trabalho não pode ser negligenciado.
Em muitos setores — como o industrial, bancário e administrativo e, pasmem, também de TI — observa-se uma redução drástica do quadro de pessoal em função da incorporação de sistemas automatizados e inteligência artificial. O trabalhador que antes detinha um papel essencial no processo produtivo vê-se, de repente, dispensado, muitas vezes sem a qualificação necessária para reinserir-se no mercado. Essa situação cria uma nova forma de exclusão estrutural, em que a falta de preparo técnico se soma à rápida transformação do mercado de trabalho, resultando em desemprego de longa duração.
Por essa razão, empresas e governos têm sido chamados a adotar políticas de transição laboral humanizada, com foco em requalificação profissional (reskilling) e reintegração produtiva. Tais políticas não apenas preservam a dignidade do trabalhador, mas também fortalecem o tecido econômico e social, reduzindo os custos indiretos da exclusão — como aumento da pobreza, da informalidade e da dependência de auxílios públicos.
Etarismo e a Vulnerabilidade do Trabalhador Maduro
Um dos efeitos colaterais mais cruéis da obsolescência de atividades é o etarismo, ou seja, a discriminação baseada na idade. Trabalhadores com mais de 40, 50 ou 60 anos são frequentemente os mais atingidos pelas mudanças tecnológicas, não por falta de capacidade cognitiva, mas por não terem tido oportunidades de atualização profissional.
O mercado, movido pela lógica da eficiência e da inovação, tende a valorizar o novo — tanto em produtos quanto em pessoas — reforçando o estereótipo de que o trabalhador mais velho é “resistente à mudança” ou “menos adaptável”. Tal visão ignora o enorme capital humano representado pela experiência, pela responsabilidade e pela estabilidade emocional desses profissionais.
Superar o etarismo requer uma mudança cultural nas organizações, baseada na diversidade etária e na aprendizagem contínua. Empresas que investem em programas de capacitação intergeracional, nos quais jovens e veteranos aprendem mutuamente, demonstram melhores resultados de integração e produtividade. Assim, a obsolescência de uma atividade pode ser convertida em uma oportunidade de inclusão e inovação, desde que a gestão de pessoas esteja orientada por princípios éticos e inclusivos.
Saúde Mental e o Impacto Humano da Desvalorização
O trabalho é um dos pilares da identidade humana e social. Perder o posto de trabalho — especialmente por obsolescência da função — muitas vezes provoca sentimentos de inutilidade, perda de valor e insegurança quanto ao futuro. Essa experiência está diretamente relacionada ao aumento de casos de depressão, ansiedade e síndrome de burnout, fenômenos cada vez mais presentes na literatura sobre saúde mental no trabalho.
Mesmo quando não há desligamento formal, a percepção de que uma função está “em vias de desaparecer” pode gerar angústia e desmotivação, afetando o clima organizacional e a produtividade. É, portanto, papel das empresas implementar estratégias de apoio psicológico e comunicação transparente durante períodos de reestruturação.
Modelos de gestão mais humanizados reconhecem que a saúde mental é parte do capital produtivo. Programas de acolhimento emocional, orientação de carreira e escuta ativa não apenas reduzem o sofrimento dos trabalhadores, mas também fortalecem o engajamento e a confiança nas lideranças. Em vez de tratar a obsolescência como uma ruptura abrupta, é possível transformá-la em um processo gradual e acompanhado, onde o trabalhador se sinta participante — e não vítima — da mudança.
Economia de Escala e Eficiência Sustentável
Do ponto de vista econômico, a obsolescência de determinadas atividades costuma ser justificada pela busca da economia de escala, isto é, pela redução dos custos médios de produção em função do aumento da eficiência. De fato, substituir tarefas manuais por tecnologias automatizadas pode elevar a competitividade e a margem de lucro. Contudo, quando essa economia é obtida à custa de demissões em massa e desvalorização humana, ela se torna insustentável a longo prazo.
A economia de escala deve ser entendida dentro de uma visão sistêmica, que leve em conta não apenas a produtividade imediata, mas também o impacto social e reputacional. Empresas que desconsideram o fator humano podem enfrentar perdas em capital intelectual, motivação interna e imagem pública — fatores intangíveis, mas de alto valor estratégico.
Uma alternativa equilibrada é adotar o conceito de economia de aprendizado, no qual a eficiência é buscada por meio da melhoria contínua e do desenvolvimento das pessoas, e não apenas pela substituição delas. Assim, o investimento em treinamento, inovação participativa e automação colaborativa cria um ciclo virtuoso: aumenta a produtividade, mantém empregos e eleva a qualidade de vida no trabalho.
Caminhos Humanitários para a Transição Produtiva
Diante desse panorama, é possível afirmar que a obsolescência de uma atividade não precisa resultar na obsolescência do trabalhador. Pelo contrário, pode ser o ponto de partida para uma reconfiguração mais humana do trabalho. Algumas práticas recomendadas incluem:
• Requalificação profissional contínua: criação de programas internos e parcerias com instituições de ensino para atualização tecnológica.
• Gestão de mudanças participativa: envolver os empregados nas decisões sobre reestruturações, ouvindo suas sugestões e experiências.
• Diversidade geracional: adotar políticas explícitas contra o etarismo e valorizar a complementaridade entre gerações.
• Atenção integral à saúde mental: garantir apoio psicológico e espaços de diálogo durante processos de transição.
• Economia de aprendizado: promover a inovação com foco em desenvolvimento humano e sustentabilidade.
Essas medidas não são apenas gestos de responsabilidade social, mas também estratégias de competitividade inteligente. Empresas que integram valores éticos à eficiência econômica tendem a ser mais resilientes, criativas e atrativas para talentos e investidores.
Em Suma
A obsolescência de uma atividade é um fenômeno inevitável em uma economia dinâmica e tecnologicamente orientada. No entanto, o modo como as organizações e a sociedade lidam com esse processo determina se ele será um avanço civilizatório ou uma fonte de exclusão.
O afastamento do empregado, embora possa parecer uma solução imediata, representa uma perda múltipla: de conhecimento, de coesão social e de dignidade humana. Alternativamente, as práticas de requalificação, acolhimento e inclusão oferecem um caminho mais humanitário, ético e sustentável.
Sob os prismas da perda do posto de trabalho, do etarismo, da saúde mental e da economia de escala, conclui-se que o verdadeiro progresso tecnológico é aquele que não abandona o ser humano, mas o inclui como protagonista da transformação. O desafio das organizações contemporâneas, portanto, não é apenas substituir tarefas antigas por novas tecnologias, mas redefinir o papel do trabalho como instrumento de realização, aprendizado e solidariedade.
Foto:Freepik
Nilson Nigro Botelho Filho
Outubro/2025